Crítica de Anora

Crítica de Anora: o Oscar premiou uma revolução feminista ou uma farsa?

Desde sua vitória na Palma de Ouro no Festival de Cannes 2024, Anora despertou intensos debates sobre sua abordagem narrativa e seus temas centrais. O filme dirigido por Sean Baker conquistou Hollywood, levando para casa o Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original, Melhor Edição e Melhor Atriz para Mikey Madison. No entanto, a recepção crítica e do público foi dividida. Enquanto alguns celebraram sua visão inovadora sobre poder, classe e feminilidade, outros apontaram a superficialidade de sua abordagem feminista.

Entre as polêmicas, a vitória de Mikey Madison no Oscar de Melhor Atriz superando Fernanda Torres causou grande repercussão, especialmente entre os brasileiros que esperavam ver a consagrada atriz levando a estatueta. Mas a questão que se impõe vai além da competição pelo prêmio: Anora é realmente um filme feminista ou apenas uma versão repaginada de uma narrativa clássica sobre mulheres e poder?

Anora e a desconstrução do conto de fadas moderno

O enredo de Anora segue Ani, uma jovem trabalhadora sexual do Brooklyn que se envolve com Vanya, filho de um oligarca russo. O relacionamento entre os dois parece promissor, culminando em um casamento impulsivo em Las Vegas. No entanto, quando a notícia chega aos pais de Vanya, o que poderia ser uma ascensão social para Ani se torna um pesadelo, com a família rica tentando anular o matrimônio.

A narrativa de Anora flerta com a estrutura clássica de Pretty Woman, mas a desconstrói ao longo do filme. Ani não é a ingênua que precisa ser moldada pelo homem rico e culto, nem tampouco uma heroína que escapa do sistema e encontra um final feliz. Ao contrário, a trama expõe as limitações impostas pela classe social e pelo gênero, mostrando que, apesar da aparente liberdade, Ani nunca esteve realmente no controle de sua história.

A suposta visão feminista de Anora

Muitos críticos apontam Anora como um filme feminista por sua abordagem crua e realista da trajetória de Ani. A personagem principal não é romantizada e tampouco tem sua história suavizada para se encaixar em uma narrativa tradicionalmente palatável. No entanto, outros críticos destacam que o olhar masculino de Sean Baker limita a profundidade da discussão sobre a vida das trabalhadoras sexuais e o impacto do patriarcado em suas decisões.

A abertura do filme, repleta de cenas de mulheres se despindo e dançando de forma erotizada, levanta questionamentos sobre o real propósito dessas imagens. O filme busca desmistificar o glamour da indústria do sexo ou apenas reproduz a objetificação feminina sob o pretexto de um comentário social?

Outro ponto de crítica é o papel dos homens na trama. Vanya, o jovem bilionário, e Igor, o capanga dos pais do protagonista, dominam o arco narrativo de Ani. Seu desenvolvimento ocorre em resposta às ações desses personagens masculinos, enfraquecendo a ideia de que ela possui agência própria dentro da história.

O final agridoce de Anora e sua mensagem

A cena final de Anora é um dos momentos mais impactantes do filme. Após ser descartada pela família de Vanya e receber uma quantia em dinheiro como compensação, Ani retorna à sua realidade. No entanto, o filme não oferece uma redenção para sua trajetória, apenas um retorno ao ciclo do qual ela tentou escapar.

O gesto de Igor ao devolver o anel de casamento confiscado pode ser interpretado de várias maneiras. Para alguns, simboliza um resquício de compaixão em meio à frieza do mundo em que Ani vive. Para outros, reforça a ideia de que, independentemente das circunstâncias, as mulheres como Ani são reduzidas ao valor que podem gerar para os homens ao seu redor.

A ausência de um final moralmente fechado é um dos pontos mais discutidos sobre o filme. Diferente de narrativas tradicionais de empoderamento feminino, Anora não oferece uma vitória para sua protagonista. Em vez disso, o filme reflete sobre a rigidez das estruturas sociais e como elas impedem mudanças reais para mulheres em posições vulneráveis.

O impacto de Anora no cinema e além

A vitória de Anora no Oscar e sua aclamação por parte da crítica internacional consolidam Sean Baker como um dos cineastas mais ousados da atualidade. No entanto, a questão que permanece é: o filme trouxe uma contribuição genuína para o debate feminista ou apenas se apropriou de temas sociais para criar um drama instigante?

A comparação inevitável com Pretty Woman evidencia como os tempos mudaram. Enquanto a comédia romântica estrelada por Julia Roberts nos anos 90 transformava a protagonista em uma princesa moderna, Anora a posiciona como uma mulher comum, sem redenção ou conto de fadas. A diferença é que, no primeiro caso, o público recebia um final feliz e esperançoso. No segundo, fica apenas o desconforto e a reflexão sobre as barreiras intransponíveis impostas pelo sistema.

Seja visto como uma crítica social contundente ou um exercício de voyeurismo disfarçado de empoderamento, Anora prova que o cinema ainda tem espaço para narrativas que desafiam o público. A questão que persiste é: até que ponto a protagonista de um filme pode ser libertadora quando sua história ainda é contada pelos olhos de um homem?

Priscilla Kinast
Priscilla Kinast
Artigos: 13

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