Como a série Round 6 é fiel (ou não) ao retratar o machismo na Coreia do Sul?

Round 6 (título original “Squid Game”) chegou conquistando milhões de fãs ao redor do mundo. A trama retrata personagens endividados que arriscam a vida em jogos infantis mortais em troca de um prêmio bilionário. Mas, por trás do enredo frenético, há um debate importante: até que ponto a série reflete de forma fiel o machismo presente na Coreia do Sul? A seguir, veremos diferentes perspectivas sobre esse tema.

Round 6 e a Crítica Social

A série do diretor Hwang Dong-hyuk é apontada como uma alegoria do capitalismo extremo. Em meio a isso, surgem comportamentos discriminatórios que não se limitam apenas ao sexismo, mas também incluem questões como disparidade social e violência. Segundo o próprio diretor, os personagens reagiriam “da pior forma possível” ao enfrentar situações de sobrevivência.

No entanto, alguns grupos feministas sul-coreanos e espectadores internacionais questionam a forma como as mulheres são retratadas. Para esses críticos, o roteiro reforça estereótipos de gênero, em vez de criar personagens femininas mais profundas e independentes.

Round 6 machismo

A Polêmica Escolha de Times

Um dos momentos mais citados é quando os participantes precisam formar equipes. Muitos homens rejeitam imediatamente as mulheres, presumindo que elas sejam menos capazes por questões físicas. Essa decisão, para alguns, confirma a visão de que o machismo estrutural é levado ao extremo na Coreia do Sul — e que a série estaria apenas reproduzindo isso sem oferecer uma crítica mais contundente.

Curiosamente, a própria narrativa de Round 6 mostra que jogos como “Batatinha Frita 1, 2, 3” ou “Honeycomb” não dependem necessariamente de força bruta, mas sim de estratégia, inteligência e até sorte. Mesmo assim, a preferência por homens se mantém, o que alimenta o debate sobre a veracidade ou o exagero dessa postura sexista.

Mulheres que se Destacam (Mas Morrem)

Apesar de algumas personagens femininas demonstrarem força e coragem, muitas críticas apontam que elas são “descartadas” de forma prematura. Veja alguns exemplos:

  1. Han Mi-nyeo (No. 212)
    • Ela usa artifícios como a sedução para garantir proteção, mas acaba sendo descartada por Deok-su.
    • Sua morte em um “suicídio-vingança” reforça a ideia de que ela não teve um arco de desenvolvimento profundo.
  2. Ji-yeong (No. 240)
    • Sua história de abusos é apenas pincelada. Ela se sacrifica por outra participante, fazendo com que sua trajetória sirva mais para valorizar Sae-byeok do que para falar sobre o impacto real do machismo em sua vida.
  3. Kang Sae-byeok (No. 067)
    • Mesmo sendo uma das favoritas, sua morte ocorre logo antes da grande final. A disputa fica restrita a dois homens, relegando ao segundo plano o potencial de aprofundar o protagonismo feminino.

Muitos acreditam que Round 6 poderia ter desenvolvido arcos femininos mais complexos, em vez de “punir” as mulheres justamente quando elas mais demonstram força e inteligência.

Reflexo Fiel ou Exagerado?

A Coreia do Sul é conhecida por ter índices de disparidade salarial entre homens e mulheres, além de uma cultura corporativa que pode ser hostil à presença feminina em posições de poder. Portanto, não é surpresa que algumas espectadoras coreanas tenham se sentido incomodadas com a série, chegando até mesmo a boicotá-la.

Ainda assim, há quem defenda que Round 6 não exagera em nada. Seria apenas um retrato cruel e nu de como o sexismo se manifesta em situações extremas. Na visão de parte do público, o fato de algumas cenas deixarem o espectador desconfortável confirma a intenção de Hwang Dong-hyuk em mostrar a natureza violenta e desigual de uma sociedade competitiva.

O Papel do Contexto Cultural

Alguns teóricos sugerem que a cultura sul-coreana, marcada por hierarquias rígidas, pode amplificar a percepção de machismo. Em boa parte dos k-dramas, as relações de poder e as tradições patriarcais são postas em evidência — ainda que, muitas vezes, a narrativa busque desconstruí-las. Em Round 6, a escolha do diretor teria sido realçar as contradições culturais em vez de oferecer soluções claras.

No entanto, críticos argumentam que apenas mostrar o problema não equivale a criticá-lo efetivamente. Para eles, a série perdeu a chance de aprofundar a discussão sobre misoginia ao se concentrar nos arcos masculinos e “eliminar” as mulheres de maneira que serve mais ao espetáculo do que à reflexão.

É Possível Separar Crítica de Entretenimento?

A questão final gira em torno de como cada pessoa enxerga a obra. Muitos veem Round 6 como um entretenimento que expõe as contradições da sociedade sul-coreana. Outros afirmam que a produção reforça estereótipos danosos, pois não oferece às mulheres o mesmo peso narrativo que confere aos homens.

Em última análise, o público se divide entre quem acredita que a série apenas reproduz fielmente o machismo existente na Coreia do Sul e quem entende que ela poderia ter trazido uma crítica mais clara. De qualquer forma, o fato de essas discussões terem ganhado destaque mostra que Round 6 ultrapassou a barreira do simples entretenimento e fez muita gente refletir sobre desigualdade de gênero.

Em suma, Round 6 reproduz sim algumas práticas e discursos machistas da vida real na Coreia do Sul, mas a interpretação sobre se o faz de forma intencional ou apenas reflete a realidade fica a cargo do espectador. De qualquer modo, o debate continua forte, e talvez seja esse mesmo o objetivo: lançar luz sobre o quanto o machismo ainda permeia nossa sociedade, tanto na tela quanto fora dela.

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