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Vis a Vis: Uma Análise Feminista do Drama Carcerário Espanhol

No cenário efervescente das produções televisivas espanholas, poucas séries conseguiram capturar a atenção global e provocar discussões tão pertinentes quanto “Vis a Vis“. Lançada em 2015, esta obra dramática mergulha nas profundezas de um presídio feminino, expondo as complexidades da vida atrás das grades através de uma lente crua e, notavelmente, com uma perspectiva que ressoa fortemente com os princípios feministas.

Longe de ser apenas mais um drama carcerário, “Vis a Vis” se destaca por sua representação multifacetada de mulheres em situações extremas, desafiando estereótipos e explorando temas de sororidade, sobrevivência e resistência em um ambiente hostil. Este artigo se propõe a desvendar as camadas de “Vis a Vis”, analisando sua trama envolvente, sua ficha técnica, a recepção crítica e as curiosidades que a cercam, tudo sob a ótica de um jornalismo com cunho feminista, buscando realçar como a série contribui para a visibilidade e o empoderamento feminino no audiovisual.

Resumo de Vis a Vis

Imagem: Netflix

“Vis a Vis” centra-se na história de Macarena Ferreiro, uma jovem ingênua que, após ser enganada por seu chefe e amante, é condenada por crimes fiscais e enviada para a prisão feminina Cruz del Sur. Lá, ela é forçada a confrontar uma realidade brutal e a se adaptar para sobreviver em um ambiente dominado por hierarquias, alianças e traições. A série explora a transformação de Macarena de uma mulher inocente para uma sobrevivente astuta, enquanto ela navega pelas complexas relações com outras detentas, como a perigosa Zulema Zahir, a leal Saray Vargas e a enigmática Cachinhos.

A trama também acompanha a luta da família de Macarena fora da prisão para conseguir o dinheiro da fiança, o que os coloca em conflito direto com o submundo do crime. Ao longo das temporadas, a série aprofunda-se nas histórias de vida das prisioneiras e dos funcionários da penitenciária, revelando as motivações e os desafios que moldam suas existências. O spin-off, “Vis a Vis: El Oasis”, dá continuidade à jornada de Macarena e Zulema após a saída da prisão, focando em um último e perigoso assalto, selando o destino dessas personagens icônicas.

Ficha técnica

  • Título Original: Vis a Vis
  • Gênero: Drama, Suspense, Criminal
  • Criação: Daniel Écija, Álex Pina, Iván Escobar, Esther Martínez Lobato
  • País de Origem: Espanha
  • Idioma Original: Espanhol
  • Emissoras Originais: Antena 3 (Temporadas 1-2), Fox Espanha (Temporadas 3-4, Spin-off)
  • Distribuição Global: Netflix
  • Número de Temporadas: 4 (série principal) + 1 (spin-off: Vis a Vis: El Oasis)
  • Número de Episódios: 40 (série principal) + 8 (spin-off)
  • Duração por Episódio: 75 minutos (Temporadas 1-2), 50 minutos (Temporadas 3-4, Spin-off)
  • Elenco Principal:
    • Maggie Civantos (Macarena Ferreiro)
    • Najwa Nimri (Zulema Zahir)
    • Alba Flores (Saray Vargas)
    • Berta Vázquez (Estefanía “Cachinhos” Kabila)
    • María Isabel Díaz Lago (Soledad “Sole” Núñez)
    • Marta Aledo (Teresa “Tere” González)
    • Ramiro Blas (Carlos Sandoval)
    • Roberto Enríquez (Fabio Martínez)

Uma perspectiva feminista: Mulheres no centro da narrativa

“Vis a Vis” transcende o mero entretenimento ao posicionar mulheres no epicentro de sua narrativa, um feito ainda raro em produções de grande alcance. A série desafia a representação feminina tradicionalmente passiva ou secundária, apresentando um universo onde as mulheres são protagonistas de suas próprias histórias, com agência, complexidade e, por vezes, brutalidade. A prisão, um microcosmo da sociedade, torna-se um palco para explorar as dinâmicas de poder, a sororidade forçada e a luta pela sobrevivência em um sistema que muitas vezes as oprime duplamente: como mulheres e como detentas.

Um dos pontos mais fortes da série, sob uma ótica feminista, é a forma como aborda a diversidade de personagens femininas. Não há uma única “mulher ideal”; em vez disso, somos apresentados a um espectro de personalidades, etnias, orientações sexuais e histórias de vida. Desde a ingênua Macarena até a implacável Zulema, passando pela leal Saray e a resiliente Sole, cada personagem é construída com profundidade, revelando suas vulnerabilidades, forças e contradições. Essa pluralidade é crucial para desconstruir estereótipos e mostrar que a experiência feminina é vasta e multifacetada.

A série também se destaca por sua representação da homossexualidade feminina de forma orgânica e sem clichês. Relacionamentos lésbicos são parte integrante da trama, tratados com a mesma seriedade e complexidade que os relacionamentos heterossexuais, contribuindo para a visibilidade e normalização de diferentes formas de amor e afeto. A sexualidade das personagens não é explorada para gratificação masculina, mas sim como um aspecto intrínseco de suas identidades e de suas interações dentro do ambiente prisional.

Além disso, “Vis a Vis” expõe as falhas do sistema carcerário e as violências sofridas pelas mulheres, muitas vezes invisibilizadas. Abuso de poder, corrupção, assédio e a desumanização são temas recorrentes, que ressaltam a vulnerabilidade das detentas e a necessidade de uma reforma prisional com uma perspectiva de gênero. A série, ao dar voz a essas mulheres e expor suas realidades, convida o público a refletir sobre questões sociais urgentes e a questionar as estruturas de poder que perpetuam a opressão.

Em suma, “Vis a Vis” é um exemplo notável de como o entretenimento pode ser uma ferramenta poderosa para o ativismo e a conscientização. Ao colocar mulheres complexas e diversas no centro de uma narrativa intensa e emocionante, a série não apenas cativa o público, mas também contribui para uma representação mais autêntica e empoderadora do feminino no audiovisual, alinhando-se perfeitamente com os ideais do jornalismo feminista.

Crítica e recepção: Entre elogios e controvérsias

“Vis a Vis” conquistou a crítica e o público com sua narrativa envolvente e atuações marcantes. As duas primeiras temporadas, em particular, são frequentemente citadas como exemplos de excelência em roteiro, direção e edição, demonstrando uma habilidade ímpar em tecer múltiplas subtramas e manter a tensão constante. A série é elogiada por sua capacidade de surpreender o espectador, característica que compartilha com outras produções de sucesso dos mesmos criadores, como “La Casa de Papel”.

A comparação com “Orange is the New Black” é inevitável, dada a premissa de uma prisão feminina. No entanto, “Vis a Vis” rapidamente estabeleceu sua própria identidade, optando por um tom mais sombrio, focado no suspense e na crueza da realidade carcerária. A jornada de Macarena, que se vê forçada a abandonar sua ingenuidade para sobreviver, é um dos pilares da série, e sua transformação é retratada de forma visceral e convincente. A exploração das dinâmicas de poder, corrupção e violência dentro da prisão, bem como a complexidade das relações entre as detentas e os guardas, contribuem para a profundidade da trama.

As temporadas posteriores, no entanto, enfrentaram alguns desafios. O cancelamento inicial pela Antena 3 e a subsequente aquisição pela Fox Espanha resultaram em mudanças na produção e no elenco. A redução do papel de Maggie Civantos, devido a outros compromissos da atriz, foi um ponto de discórdia para muitos fãs. Apesar disso, a série conseguiu manter um alto nível de qualidade, em grande parte graças às performances de Najwa Nimri como a icônica Zulema e Alba Flores como a complexa Saray, que se tornaram figuras centrais e cativantes.

O spin-off, “Vis a Vis: El Oasis”, embora tenha gerado opiniões divididas, buscou dar um desfecho para a história de Macarena e Zulema fora dos muros da prisão. A recepção mista do spin-off ressalta o desafio de expandir um universo tão bem estabelecido e de atender às expectativas de uma base de fãs apaixonada. Contudo, a série principal é amplamente reconhecida por sua relevância social, ao expor as duras realidades do sistema carcerário e humanizar as mulheres que o habitam, muitas vezes vítimas de um sistema opressor. “Vis a Vis” não apenas entretém, mas também provoca reflexão sobre a justiça, a reabilitação e a resiliência humana.

Curiosidades que marcaram a produção

Por trás das câmeras de “Vis a Vis”, existem diversas curiosidades que enriquecem a experiência dos fãs e revelam detalhes interessantes sobre a produção e o elenco:

  • Nome da Protagonista: A atriz Maggie Civantos, que interpreta Macarena, recebeu seu nome em homenagem à personagem Maggie Gioberti da série americana “Falcon Crest”, da qual sua mãe era fã.
  • Talento Hereditário: Alba Flores, a intérprete de Saray, vem de uma família de artistas. Sua avó era a lendária Lola Flores, uma das maiores figuras do flamenco e da atuação na Espanha. Alba, inclusive, demonstrou seu talento musical na série.
  • Cláusula de Nudez: A atriz Najwa Nimri, que dá vida à icônica Zulema, solicitou aos roteiristas que sua personagem não tivesse cenas de nudez, um pedido que foi respeitado pela produção.
  • Efeitos Especiais Simples: As cinzas que Macarena espalha em uma cena marcante eram, na verdade, punhados de cimento. A produção utilizou truques simples para criar efeitos visuais convincentes.
  • Miopia de Maggie Civantos: Maggie Civantos revelou ser míope e ter dificuldade em reconhecer pessoas na rua. Portanto, se você a encontrar e ela não a cumprimentar, pode ser apenas uma questão de visão!
  • Sangue Cenográfico: O sangue utilizado nas cenas mais violentas da série era uma mistura de xarope comestível com corante vermelho, uma técnica comum em produções audiovisuais.
  • Cenas de Suspensão: Para a cena em que a personagem Susana é pendurada, a equipe de produção utilizou um arnês para a atriz e, em seguida, um boneco para as tomadas mais abertas, garantindo a segurança e o realismo.
  • O Cabelo de Zulema: O famoso corte de cabelo de Zulema, que gerou muitos comentários entre os fãs, era na verdade resultado de extensões capilares.
  • Conexões com “La Casa de Papel”: Além de compartilhar atores como Najwa Nimri e Alba Flores, “Vis a Vis” e “La Casa de Papel” também dividem cenários, equipe técnica e criadores, como Álex Pina e Jesús Colmenar, o que explica o tom e a qualidade semelhantes entre as duas produções.
  • Alba Flores Queria Outro Papel: Inicialmente, Alba Flores fez o teste para o papel de Zulema, mas a produção a considerou mais adequada para interpretar Saray, um papel que ela desempenhou com maestria e que a tornou querida pelos fãs.

Essas curiosidades demonstram o cuidado e a dedicação da equipe por trás de “Vis a Vis” em criar uma série que não apenas entretém, mas também se preocupa com os detalhes e com a construção de personagens memoráveis.

Conclusão

“Vis a Vis” é muito mais do que um simples drama carcerário; é um estudo profundo sobre a resiliência feminina, a complexidade das relações humanas e a luta por dignidade em um ambiente desumanizador. Com sua narrativa envolvente, personagens multifacetadas e uma perspectiva feminista que desafia os padrões tradicionais, a série se consolidou como um marco na televisão espanhola e conquistou uma legião de fãs ao redor do mundo.

Ao expor as realidades do sistema prisional e dar voz a mulheres que muitas vezes são marginalizadas, “Vis a Vis” não apenas entretém, mas também provoca reflexão e debate sobre questões sociais cruciais. Seu legado reside não apenas em seu sucesso de audiência e crítica, mas também em sua contribuição para uma representação mais autêntica e empoderadora do feminino no audiovisual, reafirmando a importância de histórias que colocam as mulheres no centro de suas próprias jornadas de luta e superação.

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